Já contei a história de Bandit pra vocês?
Penalva tinha seus vantagens, não precisávamos nos importar com janelas ou portas abertas, o máximo que existia por aquelas bandas eram ladrões de galinha. Outra coisa linda de lá era sua água, por sinal a pior água que já bebi na minha vida. Tinha um gosto peculiar. Entenda-se por peculiar algo bem ruim e azedo.
Eu simplesmente odiava ir para Penalva. Acho que não preciso explicar muito, basta imaginar em um local sem vídeo-game, com muriçocas toda noite, sem vídeo-game, e enfim, sem vídeo-game. Não precisa ser mágico para saber que um guri nerd da cidade "grande" não consegue sobreviver mais de 5 dias sem pegar num joystick.
Viajar para Penalva era um ato bravo da minha parte, um verdadeiro teste de sobrevivência. Em uma dessas viagens para os cafundós de Penalva, me deram uma tartaruguinha, mais conhecida como jurará. Não faço idéia do que significa o termo "jurará" mas deve ter algo haver com "criatura de casco que não cresce muito", pois conseguia colocá-la na palma dar mão e dava piruetas sem risco dela cair.
Como um grande fã de Jonnhy Quest e seu cachorrinho branco, resolvi nomear o jurará de Bandit. Bandit era um doce de jurará, não dava trabalho nenhum e podia passar uma semana com fome que não reclamava. Nossa relação foi tão intensa que no primeiro dia que peguei ele na palma da mão, uma de suas unhas traseiras encostou em mim, fazendo voá-lo a metros de distância do chão. Ele sobreviveu.
Nunca tive muita sorte com animais de estimação, a maioria dos meus cachorros eram dados para pessoas aleatórias pois latiam toda hora e sem parar. Um desses cachorros, coitado, ficou embaixo da cesta de basquete aqui de casa (velhos tempos em que o sendentarismo não consumia 90% do meu organismo). A bola foi de encontro à sua cabeça. Após vomitar muito, ele também sobreviveu.
Todo dia para Bandit era uma aventura. Como era imenso seu playground, era capaz dele se perder e passar dias sumido sem dar sinal de existência. Às vezes meus olhos enchiam de lágrima, mas no final do dia ele sempre aparecia para minha alegria.
Mas ele começou a ficar temperamental, só comia mamão, não queria saber de banana. Algo estava me dizendo que ele não estava satisfeito com sua vida de jurará. O que já não era surpresa, aconteceu. Ele sumiu. Sim, Bandit sumiu do seu ecosistema e não deixou bilhete dizendo para onde teria ido. Mas a pergunta que não me fez dormir durantes meses a fio: "Como diabos ele sumiu de uma área tão imensa!!"
Certo dia resolvi parar de procurar, já sabia que não tinha volta. Bandit foi o único grande jurará da minha vida mas nada podia ser feito. Eu sabia que não devia ter dado aquele mamão de 15 dias sem refrigeção para ele comer.
Assim o tempo foi passando, minha irmã tinha vários gatos para preencher meu vazio existencial: Gaúcho, Dudu, Mimi, Bobinho... enfim, uma lista interminável. Um ano e meio a dois anos depois do desaparecimento de Bandit, fui dar uma volta pelo quintal e procurar novamente pelo bichinho.
Apesar de saber que ele não estaria ali, não custava tentar. Vasculhei a terra e encontrei algo branco. Branco de aspecto ossiforme (será que existe essa palavra?). Traduzindo: encontrei um crânio de tartaruga no quintal de casa!! Puta que pariu!! O crânio de Bandit!! A emoção já tinha tomado conta do meu corpo, fui correndo avisar todos de casa! Todos ficaram abismados com meu achado!
E agora, o que faria com um crânio em mãos?? Guardar, óbvio, era a alternaltiva que se encaixava perfeitamente. Mas para guardar, precisava lavar ele primeiro, pois estava bem sujo. Como me arrependo desse meu ato...
O crânio foi se desfazendo que nem farinha na minha mão... Eu não tinha aprendido em ciências que um fóssil derrete com a água corrente. E eu só podia ficar olhando ele ir embora de mão atadas (e molhadas, também). Enfim, pelo menos eu soube que Bandit não foi embora, provavelmente ele se enterrou com medo de viver ou de ser parte do jantar a qualquer momento.
Mas, existe uma pergunta que não quer calar:
Como que eu acho o crânio e não acho o casco?!!